domingo, setembro 27, 2009

Este país terá de aprender a lidar com o envelhecimento


Com o aumento da esperança de vida e a redução da natalidade, Portugal vai ter de aprender a lidar com o envelhecimento da população em vários domínios: Saúde e bem-estar, turismo e tempos livres, aprendizagem ao longo da vida, vida cívica e recreativa, etc.
Com o adiamento da idade da reforma e consequentemente com o aumento da vida activa as empresas e principalmente as instituições públicas vão ter de saber lidar com a ocupação desses activos e ir em busca de valor nas pessoas com longa experiência profissional, evitando descartar precocemente os mais idosos.
A turbulência que se tem verificado nos últimos anos na administração pública portuguesa criou um sentimento generalizado de desvalorização da idade e da experiência acumulada, confundindo-se antiguidade com resistência à mudança.
O maior crime que se cometeu nos últimos anos na Administração Pública foi o afastamento de gerações e desaproveitamento da mais-valia de cada uma delas. A estratégia de mudança proposta nos últimos anos pelo poder político criou padrões de comportamento e atitudes em que os mais novos cada vez mais assumem um sentimento de arrogância e omnisciência, afastando ou ignorando aqueles que parecem velhos para trabalhar e novos para se reformar.
Quando não se conhece o “caminho das pedras” todas as escolhas nos parecem novas e inexploradas e não se conhecem os precipícios nem os verdadeiros desafios que cada uma das opções encerra. Os velhos caminheiros poderiam constituir uma ajuda preciosa na sinalização de percursos já trilhados e poderiam revelar-nos, a partir da sua longa experiência, os caminhos que não nos levam a lado nenhum ou que nos conduzem a precipícios ou a fracassos já conhecidos.
Para além da correcta utilização dos recursos humanos sénior, deveria ser uma obrigação da administração pública preparar os seus trabalhadores para que fossem capazes de prolongar a sua vida activa durante o período de aposentação.
O período de pré aposentação deveria ser cuidadosamente gerido, de forma a prolongar a saúde física e mental destes trabalhadores. O sentimento de inutilidade no final da vida activa contribui para frustrações crónicas e para o aparecimento precoce de demência, de que resulta o aumento dos encargos sociais em geriatria ou doenças crónicas associadas ao envelhecimento.
A maioria dos actuais políticos e dirigentes sentem-se embaraçados ao lidar com trabalhadores sénior, alguns deles com uma carreira reconhecida como técnicos e dirigentes. Em vez de se aproveitar e gerir estes recursos, prefere-se ignorar, descartar ou até mesmo humilhar quem parece que já não serve para nada ou que de algum modo lhes possa fazer sombra.
Gerir trabalhadores seniores não significa de modo algum distribuir lugares de dirigentes a quem tem mais antiguidade e experiência, trata-se apenas de transmitir respeito e reconhecimento a quem já deu muito esforço e dedicação ao Estado e ao serviço público.
Uma sociedade que não sabe respeitar a idade e a experiência de vida é uma sociedade doente e sem futuro.
No início da minha carreira tive acesso a uma brochura preparada pelo Civil Service College do Reino Unido, que muito me impressionou, em que se preparavam os velhos funcionários públicos para o período de aposentação. Este é um sinal de maturidade de um Estado que sabe gerir todo o ciclo de vida dos seus funcionários.
Os organismos públicos deveriam ser capazes de tomar algumas iniciativas para melhorar a pré-aposentação:



  • Criação de conselhos consultivos compostos por “velhos senadores” com longa e reconhecida experiência profissional;

  • Facilitação e estímulo à participação em actividades cívicas e associativas;

  • Facilitação e estímulo à participação em actividades de cooperação internacional;

  • Facilitação e estímulo a actividades docentes;

  • Facilitação e estímulo à participação em cursos que prolonguem a actividade física e mental;

  • Etc.

Como país que se pretende afirmar como destino turístico de qualidade e até como refúgio para reformados de países mais frios, as suas instituições e a população em geral tem de se adaptar a novas realidades e a novas competência associadas à população sénior. A administração pública tem de começar a dar o exemplo e preparar-se para um país diferente e alinhado com os novos tempos e as novas realidades demográficas.

quinta-feira, setembro 24, 2009

Estaremos à beira de uma nova "Reinvenção da Roda"?

No debate com os Partidos Políticos organizado pela APDSI, que teve lugar no passado dia 15, verificou-se mais uma vez a tentação para uma apropriação partidária (Politics) do que deveria ser um desígnio nacional (Policy) para mobilizar a transformação do Estado, a inclusão social, o desenvolvimento económico, a melhoria das competências, etc.
A apropriação partidária de algo que deveria ser consensual acarreta descontinuidades e reinvenções da roda em cada legislatura que passa.
O PSD entendeu no debate que a Sociedade da Informação começou verdadeiramente em 2002 com a criação da UMIC e o PS considera a importância do Plano Tecnológico na agenda política do Governo.
Quem como eu já está na administração pública há 38 anos e vai para o 25º Governo, tem necessidade de lembrar que o Livro Verde para a Sociedade da Informação foi aprovado pelo Governo e pela Assembleia da República em 1997, que o Infocid enquanto iniciativa pioneira de e-Government, faz este ano o 20º aniversário e que o Bilhete de Identidade foi informatizado em 1971 e o início da mecanografia nos impostos e no orçamento foi em meados dos anos 50.
Não é preciso apenas ter memória, é necessário garantir a continuidade de um processo de transformação que se iniciou há mais de 50 anos e em que os portugueses souberam estar sempre na primeira linha.
Ainda existem muitas corridas de fundo a salvaguardar, como o Cadastro Geográfico multi-funcional, a integração de processos “end to end” entre os vários ministérios e entre os vários níveis de governação, a criação de uma arquitectura organizacional, semântica e tecnológica que permita a desmaterialização e aceleração de processos para uma verdadeira administração em tempo real, as representações únicas de pessoas, empresas, veículos e território do nosso país, etc.
Estes desafios devem ser continuados e geridos para além do tempo de cada Legislatura e para além do espaço de cada departamento, ministério ou nível de governação.
Vamos ver o que acontece a partir do dia 27.
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Já foram publicados e pode ver aqui todos os vídeos relativos às intervenções dos quatro partidos no Debate com os Partidos Políticos sobre a Estratégia para a Sociedade da Informação, promovido pela APDSI e realizado no passado dia 15 de Setembro na Reitoria da UNL:

segunda-feira, setembro 21, 2009

Para quando um CIO do Estado


Há mais de três anos que venho lançando o debate em torno do papel do CIO (Chief Information Officer) no Estado.
Trata-se de um papel verdadeiramente paradoxal, uma vez que, ao mesmo tempo que deverá ser capaz de participar e influenciar as estruturas políticas em cada momento, terá de ser capaz de ultrapassar as barreiras do tempo (sobreviver às mudanças de Legislatura) e ultrapassar as barreiras do espaço, ou seja da tutela em que se encontra integrado, mantendo uma visão holística do sistema de informação do Estado.
As funções de governação (Governance) dos SI/TI não são iguais em todas as organizações, pois dependem da fase de maturidade em que se encontram os gestores dos recursos informacionais e das tecnologias que lhe dão suporte, as quais tanto podem ser asseguradas por solucionadores reactivos de problemas centrados nas tecnologias, do tipo CTO, como por autênticos CIO que são capazes de agir proactivamente e influenciar a transformação do negócio através da utilização adequada dos SI/TI, de forma co-optada com os seus pares nos níveis mais elevados da gestão e da governação.Os CIO podem percorrer cinco estágios de maturidade ou de credibilidade segundo o grau de confiança e aceitação que as respectivas estruturas e funções merecem perante os mais altos níveis de governação. A gestão dos SI/TI inicia-se quase sempre em fases segregadas de incerteza e cepticismo, aspirando a conquistar progressivamente fases mais maduras de aceitação e confiança, para finalmente atingir o respeito por parte de todos os seus pares e em particular por parte da direcção de topo, que, no caso das administrações públicas, é o próprio Governo.Associadas a cada um destes estágios, podemos encontrar percepções e formas de gestão diferenciadas, progressivamente mais comprometidas com a organização como um todo. Há medida que se vai progredindo na maturidade da gestão dos SI/TI estes passam a ser capazes de acrescentar cada vez mais valor ao negócio e em contrapartida merecer a aceitação e o reconhecimento de todos os parceiros envolvidos.
Por tudo isto, precisamos de um CIO do Estado que seja capaz de exercer funções de soberania, com força, credibilidade e independência suficientes, para ultrapassar as barreiras Legislativas (Tempo) e as barreiras ministeriais (Espaço).
De acordo com a legislação vigente e os princípios do PRACE, a estrutura executiva de suporte deverá ser uma Direcção Geral (Administração Directa do Estado) com as mesmas características de força, credibilidade e independência do CIO e não uma agência, empresa ou qualquer outra entidade da Administração Indirecta do Estado.


Ainda o escândalo do Acordo Quadro da ANCP para equipamentos informáticos

Devido ao estreito leque de oferta de produtos / lotes que resultou do Concurso lançado pela ANCP em Maio 2008, os compradores do Estado portugês são forçados a lançar concursos públicos, morosos e caros, fora deste âmbito, para responder às necessidades quotidianas em equipamento informático.
A ANCP está em contra ciclo com a economia de mercado mundial de Tecnologias de Informação, ao impedir que as principais marcas tecnológicas mundiais (a título de exemplo: HP, IBM, Fujitsu, Toshiba) e as principais empresas tecnológicas a actuar em Portugal, que garantem a criação de emprego e geram investimento no país, abalando de forma definitiva a competitividade do sector e reduzindo significativamente as opções de compra e até impossibilitando, nalguns casos, a própria compra.
O caso dos servidores é escandaloso! Um único fornecedor e sem base instalada (0% de quota de mercado na Administração Pública, conforme estudo da Gartner 07/09), numa área em que a dependência da continuidade de ambientes de TI é crítico para a gestão da informação e dados na Administração Pública.
Para além da falta de concorrência, o actual Acordo Quadro para Equipamento Informático não permite enquanto vigora (até 4 anos) a entrada de novos fornecedores do Estado, sejam eles concorrentes ou marcas.
Assim vão as compras públicas em Portugal depois de se ter apostado tudo numa estrutura empresarial do Estado (ANCP) e na extinção do regulador, que era a "velhinha" DG do Património do Estado.

Ver também:
A triste figura da gestão patrimonial do Estado

domingo, setembro 13, 2009

Dirigentes ou jogadores na roleta do poder?

Nos últimos anos viveram-se momentos de grande contracção das estruturas da Administração Directa do Estado (Direcções Gerais), decorrente do PRACE, mas sobretudo da migração para a Administração Directa do Estado (Empresas, Fundações, Agências, Institutos, etc.), como forma de iludir a contracção do défice orçamental.
Grande parte das estruturas do Estado está fora de controlo e fora da lei. O Tribunal de Contas é desrespeitado, quando actua e se pronuncia tardiamente. Extinguiu-se a Inspecção Geral da Administração Pública talvez porque o sector público administrativo está progressivamente a desaparecer, mas faz cada vez mais falta um órgão de fiscalização dos órgãos do Estado mais especializado e menos generalista que a Inspecção Geral de Finanças.
Todos os partidos do poder se comprometeram, enquanto estavam na oposição, a criar um sistema de informação sobre a responsabilidade e transparência dos actos administrativos, mas esqueceram-se de cumprir a promessa quando foram Governo.
É evidente que não é possível lutar contra a corrupção e abuso de poder dos dirigentes do Estado sem a criação de um sistema adequado de acompanhamento dos actos administrativos.
A excessiva politização dos cargos públicos generalizou a incompetência e tornou a maioria dos dirigentes reféns do poder político, de fornecedores de serviços e de gerações emergentes capazes de os deslumbrar com “habilidades” tecnológicas conjunturais.
As funções mais soberanas, que deveríamos desenvolver e proteger internamente, exigem muita maturidade, independência, uma leitura atenta às inovações e às tendências e uma relação adequada e profissional com o mercado.
É difícil assegurar estas funções quando se está comprometido e se é refém de "arenas políticas" e de "tecnocracias" auto-geridas.
É a altura certa para se saber quem são os dirigentes competentes, independentes e responsáveis e aqueles que não passam de "jogadores na roleta do poder" que querem sempre “estar bem com Deus e o diabo” e que sobrevivem apenas com a esperteza de "agradar a gregos e a troianos".

quinta-feira, setembro 10, 2009

Reforçar o “Cérebro”, repensar ou privatizar o “Músculo” e descartar ou reciclar a “Gordura” do Estado.

A tendência para o alargamento da Administração Indirecta do Estado e a consequente proliferação de Empresas, Fundações, Agências, Institutos, etc., teve acima de tudo duas motivações:

  • Fugir ao Controlo e à Lei - Criação de serviços “não integrados” no Orçamento Geral do Estado e consequentemente dispensados de certos formalismos de controlo na execução de despesas públicas;
  • Alimentar a “Dança das Cadeiras” – Criar um cada vez maior número de lugares para gestores públicos e “prateleiras douradas”, capazes de satisfazer favores políticos permitir a alternância de cargos entre o Governo e a Oposição, no seio do Bloco Central (PS e PSD).

Este movimento no sentido da desorçamentação e descontrolo da despesa pública foi acompanhado pelo enfraquecimento da Administração Directa do Estado, constituída por Direcções Gerais a quem deveria competir o exercício de funções soberanas do Estado.

Quando se fala em funções de soberania regressamos ao passado e aos três poderes que remontam ao século XIII a.C.: Segurança, Negócios Estrangeiros e Justiça.

O encolhimento das funções de soberania (“Cérebro” do Estado) e o alargamento e empresarialização das funções executivas (“Musculo” do Estado) criaram um paradoxo muito preocupante:

Alimentou-se o “Musculo” com recursos financeiros e competências técnicas e deixou-se à míngua o “Cérebro” do Estado, a quem se retiraram os recursos e as competências.

Fala-se hoje muito em diminuir o tamanho do Estado, no entanto em vez de o emagrecer de forma saudável e sustentada, atingem-se órgãos e funções vitais em vez de cortar gordura e desperdício.

Grande parte da gordura do Estado está retida na Administração Directa em Direcções Gerais moribundas ou foi destilada politicamente para os novos paraísos salariais entretanto criados na Administração Indirecta. Esta gordura não foi “reciclada” através da aquisição de novas competências e processos de mobilidade adequados, pois preferiu-se ignorar e assobiar para o ar, continuando-se a manter esta legião de pessoas totalmente improdutiva e desmotivada.

O Estado passou a Fazer mas a deixar de Pensar!

O Estado descartou-se de algumas actividades e empresarializou outras, mas desguarneceu as funções de soberania, regulação e fiscalização para além dos três poderes tradicionais. Não se trata de reforçar a intervenção na economia real e na sociedade civil, mas o Estado não se pode demitir de tarefas regulatórias nos sectores económicos e sociais do país, de forma a garantir a legalidade, a transparência, a equidade, a concorrência e a sustentabilidade do país.

É preciso alimentar e reforçar o “Cérebro”, repensar ou privatizar o “Músculo” e descartar ou reciclar a “Gordura” do Estado.