quarta-feira, novembro 05, 2008
Burocratas e Pigmeus
Nas palavras do actual Secretário de Estado da Administração Pública, "trabalhadores, serviços e dirigentes que não estejam com a reforma serão trucidados". Infelizmente é assim que agora se faz a reforma da administração pública em Portugal.
As declarações do Secretário de Estado da Administração Pública não apenas denunciam imaturidade política e técnica, mas sobretudo constituem um “acto falhado”, no sentido freudiano, que torna transparentes as actuais convicções de quem hoje acaba de chegar à administração pública ou ao próprio Governo, amplificando preconceitos e atitudes que nada contribuem para uma efectiva mobilização que conduza à mudança.
Hoje em dia tornou-se quase impossível ser funcionário público. Hoje não passamos de “empregados” ou “assalariados” que cumprem objectivos circunscritos, sem haver qualquer lugar para a inovação, para o risco, para a crítica e tudo o que decorre da imparcialidade, da independência, da ética e da coragem de pensar pela própria cabeça.
Hoje os funcionários que ainda tinham algum orgulho no seu juramento de serviço público estão a ser trucidados e decapitados, para se tornarem em meras peças desta verdadeira Burocracia, que não passa de “um gigantesco mecanismo governado por pigmeus”, como dizia Balzac.
Já não exigimos que o membro do Governo responsável pela reforma conheça as famosas teorias X e Y da liderança e motivação, mas ao menos que tivesse um pouquinho de inteligência emocional em actos oficiais.
Este pequeno incidente não seria importante se o problema que está por detrás não fosse mais profundo.
Estamos a assistir cada vez mais a um retrocesso cultural nas práticas e atitudes de gestão, que nos conduzem inevitavelmente ao aprofundamento da Burocracia, engendrada no século XIX, teorizada por Taylor, Fayol e Weber no início do século XX e ficcionada no “Processo” de Kafka ou nos “Tempos Modernos” de Charlot.
Um trabalhador constantemente ameaçado por um processo de avaliação imposto e mal percebido e a quem se obriga a delimitar mecanicamente o território e os tempos das suas tarefas para não correr riscos de ser mal avaliado, é um trabalhador a quem não é permitida a condição de ser funcionário público e a quem não resta se não a condição de ser Burocrata "zeloso e cumpridor".
Nos últimos anos temos assistido ao “trucidar” dos organismos públicos fazendo de conta que são empresas (institutos e agências) geridas por pseudo-empresários imaturos, preconcebidos, mas remunerados muito acima dos "velhos" funcionários públicos e deslumbrados com os sinais de status caducos do passado, mas que estes "agentes da mudança" não questionam.
Trata-se necessariamente de pessoas obedientes e sem opinião própria, delimitadas no tempo da legislatura a que devem favores e na vaidade do respectivo organismo, mas que não fazem a mínima ideia do que são valores e ética de serviço público.
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