segunda-feira, agosto 24, 2009

Manter viva a questão da Gestão e Arquitectura dos SI do Estado

Relembro aqui textos que fui escrevendo ao longo dos últimos cinco anos, mas que foram caindo em saco roto.

Estamos muito longe de alcançar níveis aceitáveis de governação dos SI/TI. Dos modelos mais centralizadores ou fragmentados e de uma atitude mais orientada à acção ou à estratégia, o que é um facto é que ainda vivemos demasiado em estágios voluntaristas ou em autênticas arenas políticas, que nada têm a ver com a maturidade do planeamento, arquitectura, gestão e normalização que são necessárias para o bom uso dos SI/TI na administração pública portuguesa.
Os interesses e as expectativas dos vários actores não são convergentes e por isso é urgente responder às questões de boa governança como: O quê, Como, Onde, Quem, Quando, Porquê?..., a nível cultural, organizacional, semântico e tecnológico.
A literatura que aborda a disciplina das arquitecturas de sistemas e tecnologias de informação associa geralmente este conceito à empresa (Enterprise Architecture), no entanto o Estado, ao constituir um somatório de organismos que se reclamam independentes uns dos outros, está longe de ser percebido como uma empresa. Os dirigentes dos vários organismos e as próprias empresas que lhes prestam este tipo de serviços têm muita dificuldade em perceber a necessidade de encarar o Estado como um único sistema-empresa.
Não cabe ao mercado e aos consultores externos, contratados directamente pelos diferentes departamentos, assegurar a integração e a totalidade do sistema Estado. Ao contrário, acaba por existir quase sempre uma cumplicidade perversa entre quem contrata e presta o serviço de arquitectura (de empresa), já que o âmbito do trabalho fica mais facilmente definido à partida. Trata-se de uma verdadeira fuga pragmática às complexidades que uma abordagem sistémica e interdepartamental necessariamente acarreta.
As arquitecturas centradas nos organismos ou até mesmo nos ministérios podem constituir uma acentuação da fragmentação do Estado, enquanto sistema único, reforçando as muralhas departamentais e podendo constituir só por si um bloqueio ao desenvolvimento da Administração Pública Electrónica. Não se trata portanto de encomendar uma arquitectura para a “nossa casa”, já que se torna urgente e indispensável fazer um trabalho de “urbanismo” e “ordenamento do território” para uma boa gestão e implementação de sistemas e tecnologias de informação que sejam capazes de servir com eficácia e prontidão os cidadãos e as empresas.
Temos de saber quem são os políticos, os gestores, os arquitectos e os engenheiros envolvidos na concepção e implementação dos SI/TI. Temos de saber qual é o papel do Governo, da administração pública e do mercado neste esforço de transformação.
A existência de uma arquitectura global e dos correspondentes referenciais tornam mais claros e transparentes os relacionamentos entre a administração pública e o mercado e constituem modelos de referência para os requisitos a que devem obedecer as ferramentas de análise e modelação de processos, proporcionando um guia capaz de enquadrar e disciplinar convenientemente as subcontratações externas (outsourcing).
Tal como no meio físico um engenheiro ou um construtor civil deverão reconhecer a importância de um arquitecto para conceber e mapear o espaço, também no espaço simbólico que constituem os sistemas de informação deverão ser obrigatórias as respectivas arquitecturas prévias.
Na actual e irreversível tendência para o outsourcing, já não precisamos tanto recrutar para os organismos públicos tantos “engenheiros” qualificados em SI/TI como no passado, pois hoje podemos recorrer ao mercado a estas competências “fabris” sem perigo de quebra de soberania. Para além de se ter de actualizar e requalificar as competências dos técnicos que existem e se vão mantendo nos grandes centros de informática da administração pública, precisamos sobretudo de recrutar mais e melhores “gestores” e “arquitectos” qualificados em SI/TI, para que se possa controlar e manter actualizadas as arquitecturas globais e sectoriais em sistemas e tecnologias de informação e proteger deste modo o investimento público. É preciso saber em que competências investir, para que possamos poupar.
Mesmo nos programas de reforma mais recentes, ainda não ficaram claras as missões e as competências no âmbito dos SI/TI, que deveremos proteger de forma soberana e aquelas que se devem externalizar de forma mais eficiente e económica, mas se algum dia tivermos de escolher ou nos faltarem recursos para cobrir todas elas internamente, sem dúvida que protegeríamos as duas primeiras (Arquitectura e Gestão) e não hesitaríamos em descartar a terceira (Engenharia).
É aqui que entra o paradoxo do outsourcing, ao exigir que se garantam internamente níveis mínimos de competência tecnológica, para que se possam cumprir, com credibilidade e profissionalismo, relações independentes e sustentáveis com parceiros, clientes e, acima de tudo, com o mercado das tecnologias. Infelizmente ainda assistimos demasiadas vezes à contratação externa de diagnósticos e planos estratégicos de SI/TI, cujas soluções acabam quase sempre por ser implementadas pelos mesmos fornecedores, de forma promíscua e contra todas as regras de segregação de competências.
Mesmo quando segregamos funções de maior soberania e de natureza conceptual, separando-as das funções de engenharia mais operacionais, devemos acautelar sempre um equilíbrio mínimo de competências multidisciplinares capazes de manter o respeito e a credibilidade técnica em todos os domínios dos SI/TI. As funções mais soberanas, que devemos desenvolver e proteger internamente, exigem muita maturidade e uma leitura atenta às inovações, às tendências e ao mercado, quase sempre decorrentes da experiência e aprendizagem contínua em comunidades de prática, no entanto estas competências não se podem tornar reféns nem se devem deixar facilmente deslumbrar com “habilidades” tecnológicas proprietárias e conjunturais.
Infelizmente a maioria dos organismos de SI/TI ainda se limita a desenvolver competências produtivas em vez de competências gestionárias e raros são aqueles que se prepararam para uma relação adequada e profissional com o mercado.

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