segunda-feira, dezembro 27, 2010

Os meus caixotes na altura de sair...

Durante a preparação da minha saída para a aposentação e percorrendo uma vida de memórias gravadas em inúmeros documentos em que fui interveniente directo ao longo de quase quatro décadas de modernização administrativa e em particular na utilização das TIC para a transformação da máquina do Estado, senti a necessidade de fazer uma pausa e desabafar aqui alguns dos meus sentimentos.

Reencontrei ideias e projectos trucidados, renomeados ou apropriados por gente sem escrúpulos, em busca de carreira política ou de cargos e honrarias à sombra de quem é capaz de sonhar e que acredita num processo histórico evolutivo e inovador para a Administração Pública.

Vi como fui ingénuo ao pensar que a mudança se podia fazer com pouco dinheiro ao ver muitos dos meus projectos imaginados em rede de forma interdepartamental e voluntarista, serem capturados por políticos sem escrúpulos e pessoas que apenas souberam alimentar silos de poder, redutos de vaidade, despesismo sumptuário e motivações de ética duvidosa.

Ao despedir-me vi como foi importante para mim trabalhar com pessoas realmente motivadas, solidárias e ligadas por cumplicidades assentes em verdadeiros ideais e valores de serviço público e como estas pessoas foram sendo marginalizadas por não se deixarem capturar por partidos políticos ou miopias departamentais. O que restou, no espaço de quem tem ainda algum poder para fazer as coisas, foram pessoas obedientes, amorfas e desprovidas de uma ideia de futuro e liberdade.


As minhas memórias remontam ao Relatório 14 do 3º Plano de Fomento marcelista e aos ideais de mudança sistematicamente interrompidos por “reinventores da roda” e oportunistas de quem a História já se esqueceu ou injustamente alavancou para a notoriedade das diversas ribaltas.

É muito interessante analisar os factos em ciclos temporais mais longos e extrair deles fenómenos recorrentes de comportamento humano.

Os caixotes de documentação histórica que estou a arrumar e que de certeza se encontram dispersos e a mofar em vários arquivos mortos ou bibliotecas moribundas, precisavam de uma nova e mais atenta leitura e não merecem ser enviados para a lixeira. Não se trata de saudosismo, mas de uma responsabilidade social para as novas gerações do meu país, já que as gerações actuais que estão no poder foram ou estão a ser responsáveis pelo maior desvario de toda a História da Administração Pública portuguesa.

Estou quase a ir para casa e que me desculpem os meus alunos por não estar a ser pontual na avaliação de trabalhos e frequências das cadeiras do trimestre, mas tenho necessidade de salvaguardar alguma memória para uma aposentação que desejo o mais possível activa e socialmente responsável para com o futuro do meu país.


Talvez valha a pena entrar num projecto de investigação capaz de aproveitar esta memória que vai sendo esquecida, assim eu venha a encontrar o patrono científico adequado.

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