quinta-feira, março 24, 2011

Cuidado! O Estado está demasiado frágil para ser privatizado de forma indiscriminada

Há algum tempo que assistimos a um discurso político de tendências neoliberais, em que se propõe uma privatização quase indiscriminada de entidades que estão na esfera do sector público, por motivos actualmente reforçados pela necessidade urgente de redução rápida do défice público.
Se por um lado concordamos com a eliminação de entidades despesistas, criadas ao longo de mais de 20 anos com propósitos duvidosos, tememos consequências muito desfavoráveis para o país, quando ao longo deste mesmo período se acentuou a decapitação dos órgãos reguladores do Estado, numa lógica perversa de que a gestão pública seria naturalmente má e a gestão privada seria naturalmente boa.
Foi-se destruindo e desvalorizando progressivamente a camada de organismos da administração directa do Estado, a quem competiria dar sustentabilidade, soberania e independência à "Máquina do Estado" (policies), enquanto se foi reforçando o poder e o protagonismo da administração indirecta do Estado, que não passa de um amontoado de "empresas de faz de conta" totalmente instrumentalizadas por desígnios conjunturais e políticos (politics), totalmente desprovidas de qualquer regulação estatal e de concorrência verdadeira na economia real.
A tendência para o alargamento da Administração Indirecta do Estado e a consequente proliferação de Empresas, Fundações, Agências, Institutos, etc., teve acima de tudo duas motivações:
  • Fugir ao Controlo e à Lei - Criação de serviços “não integrados” no Orçamento Geral do Estado e consequentemente dispensados de certos formalismos de controlo na execução de despesas públicas;
  • Alimentar a “Dança das Cadeiras” – Criar um cada vez maior número de lugares para gestores públicos e “prateleiras douradas”, capazes de satisfazer favores políticos e permitir a alternância de cargos entre o Governo e a Oposição, no seio do Bloco Central (PS e PSD).
Este movimento no sentido da desorçamentação e descontrolo da despesa pública foi acompanhado pelo enfraquecimento da Administração Directa do Estado, constituída por Direcções Gerais a quem deveria competir o exercício de funções soberanas do Estado.
O encolhimento das funções de soberania (“Cérebro” do Estado) e o alargamento e empresarialização das funções executivas (“Musculo” do Estado) criaram um paradoxo muito preocupante:
Alimentou-se o “Musculo” com recursos financeiros e competências técnicas e deixou-se à míngua o “Cérebro” do Estado, a quem se retiraram os recursos e as competências.
Fala-se hoje muito em diminuir o tamanho do Estado, no entanto em vez de o emagrecer de forma saudável e sustentada, atingem-se órgãos e funções vitais em vez de cortar gordura e desperdício.
Grande parte da gordura do Estado está retida na Administração Directa em Direcções Gerais moribundas ou foi destilada politicamente para os novos paraísos salariais entretanto criados na Administração Indirecta. Esta gordura não foi “reciclada” através da aquisição de novas competências e processos de mobilidade adequados, pois preferiu-se ignorar e assobiar para o ar, continuando-se a manter esta legião de pessoas totalmente improdutiva e desmotivada.
O Estado passou a Fazer mas a deixar de Pensar!
O Estado descartou-se de algumas actividades e empresarializou outras, mas desguarneceu as funções de soberania, regulação e fiscalização para além dos três poderes tradicionais. Não se trata de reforçar a intervenção na economia real e na sociedade civil, mas o Estado não se pode demitir de tarefas regulatórias nos sectores económicos e sociais do país, de forma a garantir a legalidade, a transparência, a equidade, a concorrência e a sustentabilidade do país.
É preciso alimentar e reforçar o “Cérebro”, repensar ou privatizar o “Músculo” e descartar ou reciclar a “Gordura” do Estado.

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