terça-feira, setembro 11, 2007

Crenças e paradoxos de um velho funcionário público

Em 36 anos como funcionário público aprendi que:

  • As pessoas são genuinamente boas e generosas, se nada interferir com os seus interesses pessoais;
  • As pessoas são mesquinhas, egoístas e hipócritas, quando estão em causa os seus interesses pessoais;
  • As pessoas, os organismos e os ministérios têm um instinto subliminar de defesa dos seus territórios;
  • O desenho e a viabilização de processos orientados às necessidades dos cidadãos e agentes económicos contrariam a natureza humana de defesa territorial;
  • Quando existem interesses divergentes e medo de ingerência alheia no nosso território, fazemos tudo para chegar a um acordo de não agressão e de continuarmos cinicamente a manter tudo na mesma;
  • Quando queremos manter tudo na mesma e não fazer nada, protegemos e louvamos não apenas a nossa, mas todas as “quintas” à nossa volta.

Em todos estes anos acabei por constatar que os meus grandes sucessos e os meus grandes fracassos decorreram sempre de uma postura coerente e de que não me arrependo:

  • Falei a verdade, privilegiei a frontalidade e denunciei a hipocrisia;
  • Privilegiei processos interdepartamentais em vez de pessoas e organismos;
  • Dei prioridade às necessidades dos cidadãos e agentes económicos e não a cada organismo ou tutela a que estava vinculado;
  • Assumi com orgulho a condição de funcionário público, comprometido através de juramento com o Serviço Público;
  • Encarei o Estado como um sistema único e não como uma soma de partes;
  • Gostei sempre de ensinar, porque gostei sempre de aprender;
  • Incuti em todos os meus colegas e alunos uma visão sobre os sistemas muito para além das fronteiras de cada organismo;
  • Propaguei a partilha e a reutilização de infraestruturas e informação;
  • Fui independente em relação a fornecedores e tecnologias;

Numa palavra: Contrariei a natureza humana, para inovar e transformar os sistemas e os organismos por onde passei! Fui louvado e punido por isso, mas considero que o saldo da minha vida como funcionário público foi positivo e gratificante.

Obrigado a todos os que acreditaram e mim e me apoiaram e a todos os que me desafiaram pela frente, mas o meu desprezo a todos quantos me denegriram pelas costas, na maioria das vezes sem sequer me conhecerem pessoal ou profissionalmente.

1 comentário:

Joao de Bianchi Villar disse...

É com enorme prazer que coloco um breve comentário no blog do Prof. Luis Vidigal, pois além de concordar "ipsis verbis" com as suas crenças e paradoxos, verifico que a sua determinação em ser um agente e (porque não dizê-lo) um dos líderes da mudança de paradigma em termos Governação, é também um funcionário leal, que vestiu a camisola da sua profissão, e um crente fervoroso de que - tal como na sociedade civil - há boa e má administração pública e bons e maus funcionários. Mais do que nunca, com raríssimas excepções, assiste-se hoje a uma dicotomia entre o poder e a competência: quem tem poder, não tem competência; quem tem competência, não tem poder (lembram-se de Peter?). Mas, acima de tudo, não sendo a máquina pública assim tão diferente das organizações privadas, são afinal os jogos de poder informais e as "agendas secretas" que ditam as regras de funcionamento - como tão bem nos surge sintetizado nas palavras do Prof. Luis Vidigal. Espero continuar - por muitos anos e bons - a assitir a essa dedicação e resiliência em prol de valores que são a sua marca registada. Bem Haja! (João de Bianchi Villar)