A Assembleia da República aprovou ontem, 9 de Dezembro de 2010, a adopção de Normas Abertas de Software na Administração Pública portuguesa!
Projecto de Lei 421/XI (PCP) - Estabelece a adopção de normas abertas nos Sistemas Informáticos do Estado.
Projecto de Lei 389/XI (BE) - Utilização de formatos electrónicos livres na administração pública
Trata-se de uma velha luta minha e de uma vasta comunidade de profissionais e cidadãos livres. Não deverá ser apenas uma questão de utilização de formatos Office como o ODF, mas da adopção de normas abertas no âmbito dos SCM (gestão documental, workflow, etc.), dos ERP e dos CRM. Não se deverá apenas garantir interoperabilidade nas áreas instrumentais, mas principalmente nas áreas fim do Estado tendentes à desmaterialização e fluidez dos processos básicos orientados aos eventos de vida dos cidadãos e das empresas.
A propósito do paradoxo da Defesa da Propriedade do Software, eu escrevia em Novembro de 2006 o seguinte:
"A questão da propriedade no mundo da informática não se pode colocar numa luta de polícias e ladrões nem tão pouco numa simples querela partidária de esquerda e direita, como alguns a querem colocar, como se se tratasse de obras de arte, casas, carros, jóias, etc.
Do domínio da informática, a luta sobre as escolhas e a utilização do software do lado dos consumidores foi sempre uma luta contra o chamado “software proprietário”, em favor da abertura do código e para o cumprimento de normas abertas e partilhadas.
A história de todos os grandes impérios de fornecedores informáticos que a seu tempo se desmoronaram, tiveram a ver quase sempre com o seu “fechamento” e a sua recusa em entrar no mundo da partilha, da interoperabilidade e do cumprimento das normas co-optadas. Só sobreviveram os que souberam fazer uma leitura, ao mesmo tempo realista e ética, da evolução tecnológica e das condições de sobrevivência a longo prazo neste sector de actividade.
A própria Internet nasceu e cresceu nessa luta e criou o maior império da história das TIC, baseado em comunidades abertas de partilha de conhecimento e na abertura e na normalização do seu código (HTML, XML, etc.) e dos seus requisitos de interoperabilidade (TCP/IP, etc.), de que todos hoje beneficiamos, quer sejam fornecedores quer sejam consumidores.
Hoje existem dois modelos de negócio: Um baseado na criação de ganhos, de curto prazo, através da Propriedade e outro baseado na criação de valor, a longo prazo, através da Inovação e do Conhecimento.
Cabe também aos Estados decidirem qual a política a seguir e se pretendem que o seu país seja um mero país de consumidores e parametrizadores de software, excluídos das verdadeiras sedes do conhecimento, ou um país de produtores de valor acrescentado através da partilha de conhecimento e o desenvolvimento de competências para a inovação."
No mês passado eu escrevia a propósito da "Pegada Política":
"Há muito que sabemos que precisamos de mais cooperação, mais reutilização, mais interoperabilidade, mais serviço público, mais orientação para o cidadão, etc. Não precisamos de mais tecnologia enquanto não estivermos dispostos a mudar de atitudes e comportamentos."
Há três meses eu escrevia, no âmbito de uma proposta de Revolução Digital na Administração Pública portuguesa, o seguinte:
"Não se trata de continuar a gastar mais dinheiro do que até aqui em infra-estruturas TIC, pois as que existem são suficientes para a revolução que venho preconizando há mais de dez anos. Trata-se de fazer apenas um pequeno investimento muito mais inteligente e rentável, capaz de permitir a desmaterialização e a interoperabilidade dos processos."
Nas 36 medidas para reduzir a despesa pública através da melhor gestão e utilização das TIC, que eu propuz em Maio deste ano eu propuz o seguinte:
"Criar uma arquitectura de informação e uma semântica comum a todo o sector público, normalizando conceitos e formatos capazes de garantir a interoperabilidade e a fluidez dos processos orientados aos vários eventos do ciclo de vida dos cidadãos e agentes económicos."
"Generalização do uso de tecnologias open source e adopção de open standards."
A propósito da Gestão da Informação na AP eu escrevia há uma ano atrás:
"É urgente estimular a mudança de paradigma de uma Administração Pública passiva e reactiva, estritamente baseada na recolha departamentalizada de informação suportada em formulários ad hoc, para uma Administração Pública proactiva e que seja capaz de controlar e partilhar as diversas fontes de informação através da integração e interoperabilidade dentro do mesmo sistema Estado e nas suas diversas relações com a sociedade, mediante a criação de uma arquitectura de informação interdepartamental co-optada entre os vários sectores."
Em Julho do ano passado eu escrevia a propósito dos ERP do Estado:
"Integração, interoperabilidade e independência dos processos e dados
Com a progressiva desmaterialização dos processos e dos dados que os suportam, verifica-se uma dependência cada vez mais acentuada em relação às tecnologias da informação, acabando mesmo estas por se confundirem com o negócio, com riscos bastante elevados de continuidade e sustentabilidade de serviços.
Torna-se cada vez mais evidente a necessidade de salvaguardar os processos e os dados, que constituem os verdadeiros activos das organizações.
O Estado têm necessidade de salvaguardar os seus activos e deve proteger-se contra à excessiva dependência em relação a fornecedores externos de tecnologia. Por isso deverá ter-se consciência das componentes que envolvem os mais elevados níveis de soberania e risco operacional (Processos e Dados) e o que pode ser subcontratado externamente e substituído quando for necessário (Tecnologia).
As boas práticas de gestão de sistemas e tecnologias exigiriam salvaguardas que nos permitissem livremente mudar de tecnologia em qualquer momento, protegendo a soberania sobre os activos informacionais (Processos e Dados), através da segregação adequada das camadas semânticas e tecnológicas.
É preciso saber comprar e ter liberdade de escolha
Quem não sabe o que quer, começa por comprar a Tecnologia como se fosse uma panaceia milagrosa e deixa-se capturar pelo fornecedor, que faz tudo para impedir a liberdade de escolha e “fidelizar” o cliente. A história das TIC estão cheias de lutas entre a abertura desejada pelos clientes e o fechamento proprietário imposto pelos fornecedores. Este ciclo vicioso só é quebrado se o cliente conseguir proteger os seus processos e dados, tornando-os agnósticos em relação à tecnologia (utilização de XML, BPML, SOA, etc).
Tudos os activos de uma organização (processos e dados) que entram num produto tecnológico devem poder sair em qualquer momento e ser reaproveitados futuramente numa nova infraestrutura tecnológica. Esta deve ser não apenas uma opção tecnológica, mas uma atitude de gestão que deve presidir a todas as escolhas, muito especialmente quando se trata de aplicações em larga escala para o Estado."
Sem querer confundir normas abertas com software livre, não deixei nunca de manifestar publicamente a minha opção, nomeadamente na entrevista que dei em Maio de 2006:
"Defendo o uso de software livre na administração pública, por razões que ultrapassam as poupanças financeiras. Trata-se de uma oportunidade para que Portugal passe a ser um parceiro activo na produção de software e deixe de ser um mero consumidor passivo de produtos importados, cujo valor começa a deixar de corresponder ao preço que somos obrigados a pagar. Trata-se também de uma oportunidade para trabalhar em redes e comunidades de prática, que muitos países já reconheceram como instrumentos preciosos de modernização administrativa. Por último, a soberania do Estado e os direitos de cidadania exigem cada vez mais transparência no código que está na base dos sistemas de informação que cada vez mais invadem o nosso quotidiano.
Constato que ainda se fez muito pouco no sentido da adopção do software livre na AP e que ainda existe muita hipocrisia quando se aborda este tema do ponto de vista estratégico. Tirando alguns casos mais arrojados como o Ministério da Justiça, ainda existe uma discriminação negativa em relação à adopção do software livre pela generalidade dos serviços públicos e tem-se desperdiçado muito do esforço universitário para a aquisição de competências adequadas ao seu desenvolvimento sustentado em Portugal."
Recordo aqui também o estudo que está em curso na APDSI sobre o tema "Open Standards na Sociedade da Informação":
"Uma das características definidoras da Sociedade da Informação é o facto de ser uma sociedade em rede, uma sociedade na qual a partilha de informação e a construção colaborativa de conhecimento constituem a base das suas dinâmicas estruturantes.
Neste contexto, o desenvolvimento e adopção generalizada de standards abertos constitui, mais do que uma necessidade pragmática de construção extensiva de um ambiente plug & play, um imperativo de sustentabilidade e desenvolvimento em rede.
A APDSI, através desta iniciativa, pretende conduzir uma reflexão sobre o “estado da arte” neste domínio, identificar bloqueios e estímulos, bem como avaliar os contributos potenciais da Sociedade Civil para a dinamização do desenvolvimento e defesa das normas abertas como património comum de dimensão civilizacional."
sexta-feira, dezembro 10, 2010
Uma grande notícia! Normas Abertas na AP!
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1 comentário:
"Não se trata de continuar a gastar mais dinheiro do que até aqui em infra-estruturas TIC, pois as que existem são suficientes...
Trata-se de fazer apenas um pequeno investimento muito mais inteligente e rentável, capaz de permitir a desmaterialização e a interoperabilidade dos processos."
O Luis Vidigal diz coisas tão óbvias mas que ninguém parece querer perceber.
A grande questão do nosso atraso está precisamente em não perceber que tecnologia temos de mais e o que falta são os pequenos investimento inteligentes e rentáveis!!!
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