Afinal quem é que está a lançar o concurso o II-MFAP ou a GERAP?
Foi publicado pelo II-MFAP no Diário da República de sexta-feira, dia 24 de Julho, o “Concurso Limitado por Prévia Qualificação” (até 5 candidatos), para “Aquisição de uma Solução Tecnológica de Gestão de Recursos Humanos Partilhada para a Administração Pública (GeRHuP).”
Logo de seguida a página oficial do “Governo de Portugal” refere que “A GERAP, Empresa de Gestão Partilhada de Recursos da Administração Pública lançou um concurso para a aquisição de uma solução tecnológica destinada à gestão partilhada de recursos humanos”.
Afinal quem é que está a lançar o concurso o II-MFAP ou a GERAP? E será que se trata de “Serviços Partilhados” ou “Serviços Centralizados”?
O QREN paga de forma encapotada projectos da empresa estatal
A solução a concurso destina-se à GERAP e faz parte do seu core, mas como esta Empresa não se pode candidatar a verbas do QREN, utiliza como testa de ferro o Instituto de Informática do MFAP. Mas a contradição entre o Aviso do Diário da República e a página oficial do Governo deixa claros os verdadeiros propósitos e a engenharia financeira que está por detrás deste esquema de “Chico-espertice”.
Só espero (mas não acredito) que a GERAP pague no final ao II-MFAP os verdadeiros custos desta aquisição financiada pelo QREN (ah, ah, ah…:-)).
Integração, interoperabilidade e independência dos processos e dados
Para além desta trapalhada administrativa, do ponto de vista técnico não estão criadas condições mínimas para a abertura de um concurso isento e transparente.
Nos termos do concurso “Está prevista a integração do GerHuP com as restantes aplicações do programa GeRall, nomeadamente a aplicação GeRFiP – para a gestão dos recursos financeiros – e o GeADAP, que se dirige à gestão da avaliação do desempenho, ambas já em funcionamento”.
Sem estarem definidas regras de integração e interoperabilidade semântica, estas só poderão ser asseguradas pela extensão a outros módulos das actuais soluções proprietárias e a liberdade de escolha do produto (software) é nula. Apenas restará escolher entre os vários implementadores do Produto X, que existem no mercado (serviços).
Há mais de 3 anos que existem normas semânticas de interoperabilidade para os Recursos Humanos (hrXML), mas continua-se a ignorar estes requisitos e a preferir-se ser capturados pelos fabricantes de software ou a inventar requisitos ad hoc e ao sabor do vento.
Seria mais aconselhável começar por adquirir serviços de modelização de processos e dados e só depois abrir um novo concurso para a solução tecnológica. Na fase de definição dos processos e dados seria mandatório envolver a entidade reguladora que é a DGAEP, não devendo a GERAP extrapolar funções que não lhe competem.
Com a progressiva desmaterialização dos processos e dos dados que os suportam, verifica-se uma dependência cada vez mais acentuada em relação às tecnologias da informação, acabando mesmo estas por se confundirem com o negócio, com riscos bastante elevados de continuidade e sustentabilidade de serviços.
Torna-se cada vez mais evidente a necessidade de salvaguardar os processos e os dados, que constituem os verdadeiros activos das organizações.
O Estado têm necessidade de salvaguardar os seus activos e deve proteger-se contra à excessiva dependência em relação a fornecedores externos de tecnologia. Por isso deverá ter-se consciência das componentes que envolvem os mais elevados níveis de soberania e risco operacional (Processos e Dados) e o que pode ser subcontratado externamente e substituído quando for necessário (Tecnologia).
As boas práticas de gestão de sistemas e tecnologias exigiriam salvaguardas que nos permitissem livremente mudar de tecnologia em qualquer momento, protegendo a soberania sobre os activos informacionais (Processos e Dados), através da segregação adequada das camadas semânticas e tecnológicas.
É preciso saber comprar e ter liberdade de escolha
Quem não sabe o que quer, começa por comprar a Tecnologia como se fosse uma panaceia milagrosa e deixa-se capturar pelo fornecedor, que faz tudo para impedir a liberdade de escolha e “fidelizar” o cliente. A história das TIC estão cheias de lutas entre a abertura desejada pelos clientes e o fechamento proprietário imposto pelos fornecedores. Este ciclo vicioso só é quebrado se o cliente conseguir proteger os seus processos e dados, tornando-os agnósticos em relação à tecnologia (utilização de XML, BPML, SOA, etc).
Tudos os activos de uma organização (processos e dados) que entram num produto tecnológico devem poder sair em qualquer momento e ser reaproveitados futuramente numa nova infraestrutura tecnológica. Esta deve ser não apenas uma opção tecnológica, mas uma atitude de gestão que deve presidir a todas as escolhas, muito especialmente quando se trata de aplicações em larga escala para o Estado.
É muito elevado o grau de dependência do Estado português em relação ao ERP anteriormente escolhido para a fase piloto de implementação do Plano Oficial de Contabilidade Pública (POC-P), se bem que a passagem para a fase de roll-out e de extensão aos serviços da administração pública ainda permitisse grandes margens de negociação através de benchmarkings internacionais conduzidos por entidades imparciais e tecnicamente competentes, como estava previsto efectuar em 2006. Isto só poderá acontecer se for o negócio a condicionar a tecnologia e não o contrário.
Por tudo isto e porque o dinheiro não sai do bolso de quem decide, não é preciso ser bruxo para saber qual é o software que vai ganhar. O jogo está totalmente viciado e as cartas estão previamente marcadas. Salta-se com alguma ligeireza dos produtos de gestão financeira para os seus satélites dedicados à gestão dos recursos humanos.
No final nem a GERAP terá liberdade de escolha da sua solução tecnológica nem os serviços da administração pública terão liberdade de escolha dos “serviços partilhados”. Como no tempo do Ford T, os organismos do Estado poderão escolher o fornecedor de serviços partilhados desde que seja a GERAP e obrigatoriamente com o Produto X.
Atenção! Não se está a falar de um projecto de tostões, mas de um projecto de milhões que exigiria mais rigor e transparência. Parece que se trata do maior negócio do mundo para o ERP escolhido, mas infelizmente só entramos no Guinness por razões pouco lisonjeiras.
A culpa não é do fornecedor e muito menos do produto. Não há bons fornecedores nem bons produtos sem bons clientes. Porque não dar uma olhadela ao CMMI for Acquisition (CMMI-ACQ)?
Conhecemos exemplos de maus produtos com boas implementações e de bons produtos com más implementações. Tudo depende do domínio da área de negócio e da capacidade de gestão.
Decorridos mais de dois anos da criação da GERAP e de reestruturação do II-MFAP, “a montanha pariu um rato” já no final da legislatura.
Isto já nem é “Chico-espertice”, mas incompetência pura e dura.
Ver também:
terça-feira, julho 28, 2009
ERP – Recursos Humanos: Uma aquisição apressada em final da Legislatura
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