domingo, novembro 26, 2006

Soberania, actores e cadeia de valor dos SI/TI na AP


Mostramos aqui um diagrama esquemático da relação entre a cadeia de valor dos SI/TI e os vários intervenientes em cada uma das diferentes fases, destacando em sombreado as competências de maior soberania por parte do Governo e da Administração Pública.
Mesmo nos programas de reforma mais recentes, ainda não ficaram claras as missões e as competências no âmbito dos SI/TI, que deveremos proteger de forma soberana e aquelas que se devem externalizar de forma mais eficiente e económica, mas se algum dia tivermos de escolher ou nos faltarem recursos para cobrir todas elas internamente, sem dúvida que protegeríamos as duas primeiras (Arquitectura e Gestão) e não hesitaríamos em descartar a terceira (Engenharia).
É aqui que entra o paradoxo do outsourcing, ao exigir que se garantam internamente níveis mínimos de competência tecnológica, para que se possam cumprir, com credibilidade e profissionalismo, relações independentes e sustentáveis com parceiros, clientes e, acima de tudo, com o mercado das tecnologias. Infelizmente ainda assistimos demasiadas vezes à contratação externa de diagnósticos e planos estratégicos de SI/TI, cujas soluções acabam quase sempre por ser implementadas pelos mesmos fornecedores, de forma promíscua e contra todas as regras de segregação de competências.
Mesmo quando segregamos funções de maior soberania e de natureza conceptual, separando-as das funções de engenharia mais operacionais, devemos acautelar sempre um equilíbrio mínimo de competências multidisciplinares capazes de manter o respeito e a credibilidade técnica em todos os domínios dos SI/TI. As funções mais soberanas, que devemos desenvolver e proteger internamente, exigem muita maturidade e uma leitura atenta às inovações, às tendências e ao mercado, quase sempre decorrentes da experiência e aprendizagem contínua em comunidades de prática, no entanto estas competências não se podem tornar reféns nem se devem deixar facilmente deslumbrar com “habilidades” tecnológicas proprietárias e conjunturais.
Infelizmente a maioria dos organismos de SI/TI ainda se limita a desenvolver competências produtivas em vez de competências gestionárias e raros são aqueles que se prepararam para uma relação adequada e profissional com o mercado.

Uma mistura explosiva na governação dos SI/TI na AP



A pretensa criação de alguns serviços partilhados, os quais caem demasiadas vezes na tentação de se transformarem em autênticos serviços centralizados, dotados de soberania e poderes de coordenação, nada tem a ver com a simples prestação qualificada de serviços internos, convenientemente contratualizados com clientes que jamais devem abdicar da sua capacidade de gestão e soberania, serviços estes que são justificados numa lógica estritamente empresarial e numa mera relação de cliente-fornecedor.
A centralização de serviços é quase sempre inimiga da partilha de serviços, uma vez que a centralização se baseia em relações de obediência a uma qualquer autoridade dotada de competências soberanas e a partilha deverá basear-se na celebração (muitas vezes concorrencial) de contratos de prestação de serviços e na garantia de níveis de qualidade devidamente acordados entre fornecedor e cliente.
Apesar da defesa do modelo de serviços partilhados ser evidente no PRACE, no que se refere aos SI/TI, a confusão persiste como se fosse um mundo completamente à parte e desconhecido.
No que se refere à coordenação, reconheço que para os organismos que se habituaram a prestar serviços de forma mais ou menos centralizada ou partilhada aos restantes departamentos do seu ministério, não vai ser fácil ganhar credibilidade e respeito por parte da classe política e dos organismos parceiros. Se isso não acontecer, estas entidades perderão toda a sua legitimidade e razão de existência enquanto entidades independentes e soberanas.
Formalmente já existiam em cada ministério organismos de coordenação de SI/TI, como entidades coordenadoras sectoriais (ECS), nos termos do Decreto-Lei nº 196/99, no entanto este papel foi apenas exercido de um ponto de vista meramente formal e burocrático, sem que se traduzisse no reconhecimento objectivo desta competência por parte dos restantes organismos.
Quando se trata de organismos ao mesmo tempo coordenadores e executores, assiste-se a um verdadeiro conflito de interesses e a uma encruzilhada de papéis verdadeiramente contraditórios e conflituantes.

Temas relacionados:
Opções para os Serviços Partilhados e TIC na AP

quarta-feira, novembro 22, 2006

“Lançar o barro à parede para ver se pega” - Heróis ou vítimas do PRACE

Pela primeira vez em muitos anos estamos a assistir a um teste à responsabilidade, capacidade de decisão e focagem no essencial dos gestores de topo da Administração Pública.
Como foi anunciado e consta dos relatórios sectoriais do PRACE, é intenção do actual Governo reduzir significativamente o número de cargos dirigentes do Estado. Por isso foi atribuída à generalidade dos organismos públicos uma quota limitada de dirigentes, para serem utilizados numa estrutura mais “magra”, mas mais confinada às atribuições essenciais de cada organismo.
Infelizmente estamos a assistir a uma desresponsabilização e mesmo a uma desobediência generalizada dos dirigentes de topo que, “ensanduíchados” entre as orientações políticas e as pressões das suas actuais estruturas dependentes, preferem continuar a desempenhar o papel de “bonzinhos da fita”, propondo estruturas praticamente idênticas às actuais para agradar aos seus subordinados e remeter para as respectivas tutelas políticas o papel odioso de efectuar os “cortes” menos racionais e até indiscriminados.
No final estes dirigentes de topo que cultivam o "V. Exª decidirá" ficam sempre a ganhar, quer acabem por ser "heróis conquistadores de cargos” suplementares para os seus organismos, quer acabem por ser “vítimas incompreendidas” de políticos intransigentes e determinados.
Esta já é uma prática corrente na elaboração dos orçamentos, em que anualmente se “atira o barro à parede para ver se pega”. Depois os organismos queixam-se que o Governo e em particular os contabilistas do Ministério das Finanças procedem a cortes indiscriminados, não só em “gordura”, mas também no “músculo” e até em “órgãos vitais”.
Esquecem-se que foram eles os responsáveis por não saber nas alturas adequadas decidir e fazer escolhas estratégicas em relação ao essencial do seu negócio.
Lembramos que existem por ai muitos cursos que incluem técnicas de Balanced Scorecard, análises SWOT e matrizes BCG, que fariam falta a muitos dirigentes indecisos e amedrontados com a situação actual.
Estão-se a viver momentos de grande contracção das estruturas do Estado, mas também é a altura adequada para se saber quem são os dirigentes corajosos e responsáveis e aqueles que não passam de "jogadores na roleta do poder" que querem sempre “estar bem com Deus e o diabo”, "agradar a gregos e troianos" e acreditam que é possível "fazer sol na eira e chuva no nabal".
Vamos ver se o PRACE não vai ser mais uma “montanha a parir um rato”, continuando assim a aumentar a espiral do défice em Portugal.
Cada Governo tem os dirigentes que merece!

sábado, novembro 11, 2006

Os dirigentes actuais fazem sobretudo parte do problema e não da solução


As mais de mil páginas do PRACE, ao invés de tornar claras as opções estruturais da Administração Pública em matéria de governação dos SI/TI, permitem leituras subjectivas e implementações orgânicas que servem várias visões e conveniências. Se os organismos de SI/TI quiserem manter-se como estão em torno de funções mais operacionais e auto-protegidas pelo conservadorismo pseudo-tecnológico, haverá com certeza algures no PRACE argumentos que legitimem tal opção, mas se pretenderem mudar para funções mais estratégicas, conceptuais e gestionárias, também não faltará quem se reveja nos termos daquele documento. Sem dúvida que esperávamos referenciais mais claros de um documento que se pretendia estratégico e orientador.
Mais do que nunca, hoje vivemos condições de crise aberta, que se traduzem em oportunidades ímpares de mudança para a Administração Pública e em particular para a forma como encaramos o papel do Estado nos SI/TI. Podemos dizer que vivemos um momento em que se pode mudar, embora persistam sinais de não se querer e também de não se saber como mudar no domínio da governação dos SI/TI no sector público.
Não deixo de concordar e louvar a maioria das iniciativas decorrentes do PEC e do PRACE, mas é urgente definir e clarificar a estratégia e o papel do Estado no domínio dos SI/TI, bem como a vocação e competências dos respectivos organismos, para que possamos usufruir dos benefícios efectivos decorrentes das reformas em curso.
Muitas pessoas em contextos de mudança mal gerida e mal clarificada, evitam envolver-se na solução dos problemas existentes na situação actual, por defesa própria e medo do desconhecido, acabando quase sempre por ser os principais protagonistas do próprio problema, quer por omissão, quer por reacção.
Muitos dos recentes normativos pretensamente orientadores da reforma, nomeadamente as próprias leis orgânicas dos ministérios, não passam de intenções de melhoria mal objectivadas e que deixam demasiada liberdade ao arbítrio dos verdadeiros agentes da mudança, que são os actuais dirigentes dos organismos afectados.
No caso das estruturas de SI/TI a situação é particularmente mais crítica, porque aparentemente não se tratando de "áreas core" do Estado, continua a não existir uma efectiva condução política destes domínios mais ou menos “excêntricos” para a generalidade dos políticos e persiste-se em não se querer perceber a criticidade e urgência da sua governação. São portanto um espaço fértil para a exploração da iliteracia tecnológica de uma certa classe política, que acaba por cair facilmente em estados extremos de terror ou deslumbramento, continuando a ficar reféns de uma tecnocracia cada vez mais florescente e descontrolada.
Os SI/TI têm que deixar de ser entendidos como simples implementações de projectos e “choques” tecnológicos, mas como verdadeiras acções interdisciplinares de mudança, que exigem um olhar cada vez mais estratégico e arquitectónico e uma condução cada vez mais política. A actual indefinição e falta de condução político-estratégica dos SI/TI do Estado, perpetuam a auto-determinação e o conservadorismo de algumas das suas actuais estruturas, a pretexto de uma aparente complexidade tecnológica que se auto-protege e se auto-legitima para se excluir de alguns constrangimentos do processo de mudança em curso.
Como parte interessada e sendo juízes em causa própria, na maioria das vezes os actuais dirigentes fazem parte do problema em vez de contribuírem para a solução e tendem a fazer aquilo que podem para manter tudo na mesma, acabando por desencorajar e inviabilizar todo o processo de mudança (*).
Num processo de mudança como o que se está a viver actualmente, mais do que bons gestores, são necessários bons líderes, orientados por valores, visão, sentimentos, proactividade, comprometimento, persuasão, inovação, flexibilidade, comunicação, etc., mas estes são difíceis de encontrar, quando o que se pretende é apenas conformismo e obediência política, mesmo que isto signifique continuar a actuar no cinismo e em jogos sub-reptícios de poder.
Não se pode temer o conflito e, na actual conjuntura, deve-se utilizar positivamente a energia que dele resulta. A liderança dos SI/TI nos nossos dias exige escolhas e decisões difíceis, por isso tem cada vez mais a ver com a capacidade de lidar com a mudança e o saber construir sem medo um mundo melhor através de uma combinação adequada de pessoas, processos e tecnologias.

(*) Worley e Lawler, “Designing Organizations That Are Build to Change” – MIT Sloan Management Review, Fall 2006, pág. 19-23

domingo, novembro 05, 2006

Não é fácil acelerar os processos, mantendo as garantias do cidadão


A evolução do papel do Estado e as áreas onde vem intervindo, tem muito a ver com a evolução da democracia e decorre do empowerment do cidadão nas suas relações com a administração pública e o poder político.
Chamemos a esta dimensão o eixo do “D” (Garantias Democráticas), que ao longo dos anos foi acumulando não apenas regras e procedimentos burocráticos, mas foi sendo o resultado do reconhecimento de direitos e garantias dos cidadãos, como foi o caso do Código do Procedimento Administrativo, em que são reconhecidos prazos de reclamação aos interessados e com isto foram-se dilatando tempos e formalidades burocráticas.
O eixo do “D” (Garantias Democráticas) acarretou consigo uma dimensão paralela e quantas vezes perversa, a que poderemos chamar o eixo do “B” (Burocracia). Poderemos assim dizer que ao longo dos anos o Estado garante e protector tornou-se muitas vezes num Estado burocrático e bloqueador.
Poderemos concluir que o Estado democrático está em perigo se não forem acelerados os processos e os serviços prestados aos cidadãos e agentes económicos? Se o tempo gasto nas formalidades e nos procedimentos constituírem um embaraço excessivo ao desenvolvimento económico-social, temos que “baixar a guarda” e diminuir o eixo do “D”? Como manter ou até mesmo acelerar o progresso democrático “D” sem custos burocráticos excessivos e contraproducentes “B”?
A resposta está na aceleração dos processos burocráticos, a que chamamos o eixo do “E” (Aceleração Electrónica). Para mantermos ou aumentarmos os níveis do “D” (Garantias Democráticas), temos de saber aumentar proporcionalmente os níveis de aceleração electrónica. A administração pública electrónica torna-se assim um imperativo dos Estados modernos e um garante das democracias, desde que respeite o crescimento sustentado dos dois vectores “E” e “D” e não se tenha de sacrificar o “D” para reduzir o “B”.
É por isso que propomos insistentemente, há já alguns anos, a substituição da maioria das certidões pela troca de bits entre bases de dados, sem necessidade de qualquer intervenção humana, bem como a criação de cadeias de valor baseadas em processos decisórios interdepartamentais e inter soberanos, baseados em workflows cooperativos entre pessoas e máquinas.

A Solidão da Mudança

Quem nalgum momento ousou fazer algumas rupturas e desafiar o statu quo, decerto que sentiu o desconforto e o peso da acusação de não ter seguido sempre na direcção “politicamente correcta”, tendo acabado por presenciar à sua volta o peso da intriga e da inveja, acabando quase sempre por pagar um preço bastante elevado pela opção de caminhar com ética e independência no sentido da inovação sustentável a longo prazo, em vez de se conformar com ganhos e recompensas de curto prazo. As comunidades de prática e o associativismo cívico são quase sempre a saída possível para a realização e o equilíbrio pessoal, quando ainda se acredita no valor da cidadania activa. Por isso ainda estamos aqui neste blog.
A disponibilidade permanente para abdicarmos de cargos e honrarias é portanto uma condição necessária de liberdade e de dignidade pessoal. Quando decidimos fazer uma carreira de inovação e melhoria do Serviço Público, temos que saber pagar, nas alturas adequadas, o preço de nos recusarmos a uma subserviência incondicional à solidariedade institucional e política.
O conservadorismo e a luta por umas migalhas de poder acabam quase sempre em jogadas oportunísticas de bastidores para se continuar a sobreviver nos cargos e a usufruir dos respectivos privilégios.

CIO versus CTO - Uma questão de Confiança e Respeito



As funções de governança dos SI/TI não são iguais em todas as organizações, pois dependem da fase de maturidade em que se encontram os gestores dos recursos informacionais e das tecnologias que lhe dão suporte, as quais tanto podem ser asseguradas por solucionadores reactivos de problemas centrados nas tecnologias, do tipo CTO , como por autênticos CIO que são capazes de agir proactivamente e influenciar a transformação do negócio através da utilização adequada dos SI/TI, de forma co-optada com os seus pares nos níveis mais elevados da gestão e da governança.
Os CIO podem percorrer cinco estágios de maturidade ou de credibilidade segundo o grau de confiança e aceitação que as respectivas estruturas e funções merecem perante a direcção de topo. A gestão dos SI/TI inicia-se quase sempre em fases segregadas de incerteza e cepticismo, aspirando a conquistar progressivamente fases mais maduras de aceitação e confiança, para finalmente atingir o respeito por parte de todos os seus pares e em particular por parte da direcção de topo, que, no caso das administrações públicas, é o próprio Governo.
Associadas a cada um destes estágios, podemos encontrar percepções e formas de gestão diferenciadas, progressivamente mais comprometidas com a organização como um todo. Há medida que se vai progredindo na maturidade da gestão dos SI/TI estes passam a ser capazes de acrescentar cada vez mais valor ao negócio e em contrapartida merecer a aceitação e o reconhecimento de todos os parceiros envolvidos.

sábado, novembro 04, 2006

Será que sabemos qual a verdadeira importância das redes e da interoperabilidade?


Quando falamos em redes e interoperabilidade julgamos imediatamente que estamos a tratar de tecnologia, mas deveremos acima de tudo começar por facilitar a concertação de vontades inter-organizacionais, de forma a assegurar uma visão, um propósito e um compromisso comum. É no plano organizacional que começa a interoperabilidade e é na partilha e na concertação de visões que deveremos à partida investir nas redes. Poderemos chamar-lhe Peopleware, pois é de pessoas e grupos que estamos a tratar neste nível e começamos aqui a lutar contra a incerteza em relação ao futuro e a ganhar níveis mais elevados de sustentabilidade partilhada.
É determinante, ao mais alto nível da interoperabilidade organizacional, saber quem são as pessoas e as entidades que estão voluntária ou involuntariamente presentes ou ausentes à volta da mesma mesa, para se concertarem na resolução de problemas. Trata-se de uma dinâmica de poder que tanto pode servir adhocracias como arenas políticas com propósitos mais ou menos explícitos ou ocultos.
Em seguda, ninguém pode interoperar se não falar a mesma língua e aqui estamos a tratar de um segundo nível relacionado com a interoperabilidade informacional e semântica. Ninguém poderá protocolar acordos e trocar informação se não dispuser de uma língua franca (Infoware). Aqui estamos no plano das convenções e normas (ontologias, metadados, formatos, etc.) e constitui um plano fértil à regulamentação e ao exercício da autoridade normativa. A incerteza é aqui reduzida ao mínimo.
Por fim chegamos à interoperabilidade tecnológica onde acautelamos acima de tudo os graus de conformidade (compliance) entre as soluções disponíveis e os problemas identificados e partilhados nos níveis anteriores. Aqui tudo será mais fácil se soubermos ultrapassar os outros dois níveis superiores.

Para começar, uma página é suficiente (KISS)

A verdadeira Reforma afinal está no Dinheiro e nos "Sabonetes"


A administração pública está hoje a viver o seu período mais conturbado desde há cerca de trinta anos. Parece que mais uma vez não são os valores, que se esperariam do PRACE, que estão a determinar a mudança, pois são sobretudo os argumentos financeiros e estruturais, resultantes de motivações orçamentais urgentes, que estão a tornar a mudança da administração pública efectiva e inevitável.
Por um lado os orçamentos de funcionamento para 2007 estão a ser fortemente reduzidos e por outro a quota de dirigentes, proposta pelo PRACE para as novas estruturas, foi, em muitos casos, limitada a quase metade dos cargos existentes nas anteriores leis orgânicas. Com estas reduções compulsivas e atendendo à rigidez dos orçamentos de funcionamento em matéria de recursos humanos, assistimos a uma cascata de decisões obrigatoriamente induzidas para que os organismos enviem para “mobilidade especial” dezenas de milhares de funcionários, cujas consequências sociais e económicas ainda estão muito mal avaliadas.

Paradoxo da Defesa da Propriedade do Software

Os caminhos da compra legal de software ou da pirataria, ao contrário do que se poderá pensar, não derivam apenas de comportamentos de pessoas e sociedades cleptomaníacas, mas são induzidos por comportamentos pouco éticos de algumas empresas e por opções políticas de certos Governos que acabam por lhes dar cobertura.
Com efeito, algumas empresas começaram por lançar no mercado produtos, cuja propriedade protegiam desde o início, mas através de meios sofisticados que impediam a cópia ilegal dos seus produtos. Infelizmente, nos primeiros tempos o comportamento ético não foi favorável nem rentável a muitas empresas inovadoras e crentes na regulação e no funcionamento correcto das regras de mercado.
Em contrapartida, algumas outras empresas preferiram não proteger de forma sofisticada os seus produtos, “permitindo” que uns poucos pagassem e a maioria recorresse à sua cópia ilegal mas suficientemente intoxicante, para provocar o “vício” num cada vez mais vasto número de consumidores “agarrados” a esta espécie de droga. De seguida, quando o mercado monopolista já o permitia, decidiram finalmente proteger e “fidelizar” os seus clientes através de um combate feroz em favor do direito de propriedade do software e a uma atitude cínica de defesa da moral e dos bons costumes, usando a bandeira da luta contra a pirataria, que eles próprios haviam gerado, por razões de intoxicação do mercado.
A questão da propriedade no mundo da informática não se pode colocar numa luta de polícias e ladrões nem tão pouco numa simples querela partidária de esquerda e direita, como alguns a querem colocar, como se se tratasse de obras de arte, casas, carros, jóias, etc.
Do domínio da informática, a luta sobre as escolhas e a utilização do software do lado dos consumidores foi sempre uma luta contra o chamado “software proprietário”, em favor da abertura do código e para o cumprimento de normas abertas e partilhadas.
A história de todos os grandes impérios de fornecedores informáticos que a seu tempo se desmoronaram, tiveram a ver quase sempre com o seu “fechamento” e a sua recusa em entrar no mundo da partilha, da interoperabilidade e do cumprimento das normas co-optadas.
Só sobreviveram os que souberam fazer uma leitura, ao mesmo tempo realista e ética, da evolução tecnológica e das condições de sobrevivência a longo prazo neste sector de actividade.
A própria Internet nasceu e cresceu nessa luta e criou o maior império da história das TIC, baseado em comunidades abertas de partilha de conhecimento e na abertura e na normalização do seu código (HTML, XML, etc.) e dos seus requisitos de interoperabilidade (TCP/IP, etc.), de que todos hoje beneficiamos, quer sejam fornecedores quer sejam consumidores.
Hoje existem dois modelos de negócio: Um baseado na criação de ganhos, de curto prazo, através da Propriedade e outro baseado na criação de valor, a longo prazo, através da Inovação e do Conhecimento.
Cabe também aos Estados decidirem qual a política a seguir e se pretendem que o seu país seja um mero país de consumidores e parametrizadores de software, excluídos das verdadeiras sedes do conhecimento, ou um país de produtores de valor acrescentado através da partilha de conhecimento e o desenvolvimento de competências para a inovação.
Um Governo que abre as portas à intoxicação “gratuita” das suas escolas e universidades para o uso massificado de uma tecnologia proprietária, fechada e monopolista, para depois converter os jovens e o resto das comunidades numa sociedade totalmente “agarrada” e sem retorno, é um Governo que optou por estimular o caminho da pirataria e do facilitismo, em vez da abertura e da partilha do conhecimento que sempre foram aliadas da inovação e do desenvolvimento social e económico.

quarta-feira, novembro 01, 2006

Dois mundos ainda separados e paradoxais


Infelizmente ainda estamos a assistir à separação paradoxal entre dois mundos que se digladiam cinicamente há muitos anos, por um lado a nebulosa da estratégia do negócio, representada por gestores deslumbrados ou aterrorizados, e por outro a caixa preta da tecnologia, representada por “fadas milagrosas” a quem são dados recursos quase ilimitados ou “patinhos feios” de quem se espera que se façam “omoletas sem ovos”